O que ganhou a Grécia em quinze dias?
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Alguns terão a tentação de dizer que nada - e fazer a prova (do seu desejo) de que o "radicalismo" conduz a uma mão cheia de pó, pois esbarra com as forças "vivas" da Zona Euro e soçobra. Mas olhando, objetivamente, apenas para factos, somos levados a constatar que, em duas semanas, a Grécia já ganhou imenso.
● Um ganho que alguns poderão dizer que é simbólico, ou imaterial, ou do domínio do goodwill soberanista, que aparentemente não enche a barriga dos esfomeados e não faz entrar guito no orçamento - a Grécia recolocou-se no mapa, deixou de ser um país capacho, menor e marginal, ignorado e humilhado, tratado como um "protetorado" de um comité de credores; ganhou voz e subiu ao tablado, mundial inclusive; é manchete de pé e não de rodillas.
● A Grécia pós 25 de janeiro trouxe para a ribalta outra dimensão até há pouco esquecida debaixo do tapete nos debates dentro da UE e da zona euro - a importância geopolítica das charneiras da Europa. É ouvir, agora, os mais insuspeitos a falar abertamente do tema. Chegará o momento em que a importância das charneiras não será só centrada no Egeu ou no Mediterrâneo Oriental (se juntarmos Chipre à Grécia). Chegará o tempo de falar do Atlântico e da Península Ibérica.
● A postura do novo governo colocou pela primeira vez em causa no plano prático a troika como entidade política na negociação (uma investigação do Parlamento Europeu já havia colocado em questão a legitimidade de um tal comité); a negociação política é feita de igual para igual nos fora adequados, no Eurogrupo, bilateralmente com as chefias das entidades como a Comissão Europeia, o FMI, o BCE, e com os outros parceiros-países; as discussões técnicas deixam de ter relevância política; o país negoceia de cabeça erguida e com coluna direita com os parceiros, não atua como capacho de um comité.
● Os Memorandos da troika como "lei" são algo para o caixote do lixo. Magistral a atuação de Alexis Tsipras ao vetar no último minuto a aprovação de um comunicado final de uma reunião do Eurogrupo para no dia seguinte marcar o seu ponto obtendo o primeiro reconhecimento formal de que o memorando da troika já não é de facto a "lei"; o Eurogrupo vai debater um novo guia, não baseado num diktat, mas num compromisso que tem de atender aos pilares da posição grega sufragada pelo eleitorado. É um acordo com credores oficiais radicalmente distinto. É uma ruptura se for materializado.
● Com o passar dos dias, a tese de que o novo governo grego era uma espécie de grupo de amadores radicalóides, utopista, por ousar atirar o calhau ao charco, passará para a gaveta. O novo governo recuou em alguns pontos (como o hair cut nominal de "grande parte" da atual dívida que está em mais de 70% na mão de credores oficiais, ou uma iminente conferência europeia sobre essa "coisa", como lhe chama o presidente Cavaco Silva), para marcar terreno com eixos de "bom senso" técnico irrevogáveis: emergência humanitária; swaps de dívida para aliviar o serviço anual de dívida e alongar maturidades; redução dos excedentes primários orçamentais para libertar recursos anuais; elaborar uma proposta de reformas (onde vai trabalhar com a OCDE) exequíveis (algumas delas que só "radicais" são capazes de implementar) e equilibradas (não destinadas à desvalorização interna do factor trabalho).
● Um obscuro ministro, careca, vindo quase do exílio no Texas, tornou-se um improvável fenómeno mundial mediático, um ativo de marketing político.
● A atuação deste governo grego traz um benefício à democracia representativa. Agindo em função daquilo para que foram eleitos mostram ao eleitorado que vale a pena jogar o jogo da democracia e atuar no seio da União Europeia com a espinha direita sem a síndrome do capacho. Se a União Europeia respeitar essa regra básica do respeito democrático, esses eleitorados radicalizados e enraivecidos contra a austeridade e a humilhação nacional consolidarão a sua confiança na democracia. Se for hostilizado ou humilhado rejeitará a União Europeia. Tão simples quanto isso - e essas camadas tendencialmente maioritárias no eleitorado radicalizar-se-ão ainda mais. As principais vítimas serão os capachos e os profissionais da humilhação - desaparecerão do "arco da governação". RIP.