03 julho 2009

arquipélagos

Rui Tavares
Público, 1 de Julho de 2009

Esta globalização em que vivemos é uma globalização de cidades. Foram elas que desde o início (desde o século XVI) contribuíram para amarrar os nós, as rotas, de que foi feito o comércio internacional. Sozinhas, valem pouco. Ligadas, valem muitíssimo.
As cidades tendem a aglomerar-se e a interligar-se porque assim multiplicam os seus potenciais. Formam arquipélagos, e entre cada cidade desses arquipélagos (e cada arquipélago de cidades) trocam-se produtos, serviços e ideias.
O valor económico desses arquipélagos de cidades é difícil de calcular. O economista Richard Florida tentou fazê-lo e as conclusões a que chegou são surpreendentes. A mega-região urbana mais rica da Europa não é a Grande Paris nem a Grande Londres. É o arquipélago urbano de Amesterdão-Antuérpia-Bruxelas-Colónia-Lille, onde vivem quase 60 milhões de pessoas e que produz mais riqueza do que a China, o Canadá ou a Itália. O seu valor aparece escondido porque se trata de um arquipélago cujas "ilhas" estão espalhadas por cinco países.
Agora eis o mais interessante: a Península Ibérica é ela mesma um conjunto destes arquipélagos urbanos. O mais rico é dominado por Barcelona, que é transfronteiriço e vai até Marselha. O segundo mais rico é o corredor urbano que vai da Grande Lisboa até à Corunha, passando pelo Grande Porto. Em terceiro lugar aparece a enorme ilha de Madrid, plantada no meio da Meseta.
Curiosamente, estes arquipélagos sugerem os nossos antigos reinos. Um medievalista poderia chamar "catalão-provençal" ao arquipélago Barcelona-Marselha, e "galaico-português" ao corredor Lisboa-Corunha. Madrid é o coração de Castela e, apesar de ser menor que os outros dois, ganha-lhes em centralidade geográfica e homogeneidade política.
Vindo do passado para o futuro, o que fazer com estes arquipélagos? Ligá-los através do TGV é uma resposta possível. O arquipélago de Amesterdão está assim ligado ao de Paris e este ao de Londres. Um professor da francesa Lille pode encontrar colegas a uma hora de distância em algumas das cidades mais importantes da Europa, sem aviões nem aeroportos. Entra numa estação no centro da cidade e sai noutra igualmente central, sem check in, sem tirar os sapatos para os passar pelo raio X.
Seguindo esta lógica, nós deveríamos "amarrar" o corredor Lisboa-Porto-Corunha aproximando-lhe a componente galega. E deveríamos ligar este corredor à Grande Ilha de Madrid no interior da península. Este "arquipélago de arquipélagos" seria mais interessante dentro da Europa e no mundo.
Isto não tem que se fazer forçosamente com o TGV, ou apenas com ele. As cidades, se forem interessantes, atrairão gente. Por isso repito que a prioridade deveria ir para a recuperação urbana, para os transportes públicos de proximidade e para as indústrias criativas e culturais. Isso daria emprego já durante a crise e prosperidade para depois dela. Se me dissessem que fazer "muitas pequenas obras" obrigaria a abandonar o TGV, eu abandonaria o TGV. Se há forma de compatibilizar as duas escalas, eu faria as duas, porque elas são complementares.
Os nossos conservadores pretendem encerrar este debate nos estreitos limites do preconceito, o que é natural, porque para eles Portugal está bem assim. Para eles, a discussão sobre a dívida que deixaremos aos filhos deve silenciar qualquer discussão sobre o país que, mais uma vez, não lhes deixaremos.