28 abril 2013

A solução dos 1%

Paul Krugman
The New York Times, 25 de Abril de 2013

Os debates económicos raramente terminam com uma derrota técnica. Mas o grande debate político dos últimos anos, entre keynesianos (que defendem a manutenção, e até aumento, dos níveis de despesa pública em contextos de recessão), e os austeritários (que pugnam por cortes imediatos na despesa), está - pelo menos no plano das ideias - a chegar ao fim. No ponto em que estamos, a perspectiva austeritária implodiu: não só todas as suas previsões falharam por completo quando confrontadas com a realidade, como a própria investigação académica, invocada para suportar essa doutrina, acabaria por se revelar repleta de erros e omissões e feita com estatísticas duvidosas.

Restam portanto duas questões. Primeiro, a de saber porque é que a doutrina da austeridade se tornou tão influente. Depois, a de saber até que ponto haverá mudança de políticas, agora que os argumentos centrais dos defensores da austeridade se transformaram em abundante matéria-prima para livros de banda desenhada.

Quanto à primeira questão, o claro domínio e capacidade de influência dos defensores da austeridade nos centros de decisão deveria perturbar todos aqueles que gostam de acreditar que a política se baseia, ou é pelo menos fortemente influenciada, por evidências da realidade. Afinal de contas, os dois principais estudos que alimentam os argumentos e justificações intelectuais para a austeridade - os trabalhos de Alberto Alesina e Sílvia Ardagna sobre a «austeridade expansionista», e de Carmen Reinhart e Kenneth Roggoff sobre o perigoso «limite» de 90% para a dívida pública - enfrentaram críticas fulminantes mal conheceram a luz do dia.

Estes estudos não sobrevivem, de facto, ao escrutínio. No final de 2010, utilizando dados mais precisos, o Fundo Monetário Internacional voltou a analisar o trabalho de Alesina-Ardagna e contrariou as conclusões a que estes tinham chegado; ao mesmo tempo que muitos economistas suscitavam objecções fundamentais em relação ao trabalho de Reinhart-Rogoff, muito antes de ser conhecido o famoso erro de excel. E tudo isto enquanto no mundo real a estagnação da Irlanda (que era o grande cartaz da propaganda infantil da austeridade), e a queda das taxas de juro nos Estados Unidos (país que se encontrava, supostamente, à beira de enfrentar uma crise fiscal eminente), esvaziavam de qualquer sentido as previsões austeritárias.

A doutrina da austeridade, contudo, não só tem mantido como até reforçado o seu poder e influência em relação às elites. Porquê?

Parte da resposta encontra-se certamente na vontade generalizada de encarar a economia como um jogo de moralidade, que a converte numa narrativa sobre os excessos e suas consequências. Andámos a viver acima das nossas possibilidades e agora estamos a pagar o preço inevitável. Os economistas bem podem explicar, até à exaustão, que isso não é verdade. Que a razão pela qual temos um desemprego de massas não se encontra em termos gasto excessivamente no passado, mas antes na circunstância de estarmos a gastar muito pouco agora, e que este é que é o problema que tem que ser resolvido. Não adianta. Muitas pessoas têm um sentimento visceral sobre o pecado e a necessidade de encontrar a redenção através do sofrimento. E nenhum argumento económico, como nenhuma constatação de que as pessoas que estão a sofrer agora não são as mesmas que pecaram durante os anos dos excessos, faz grande mossa.

Mas esta não é apenas uma questão de emoção versus lógica. Não é possível compreender a influência da doutrina da austeridade sem falar de classes e de desigualdades.

O que é que as pessoas querem, afinal, da política económica? A resposta, ao que parece, depende muito de a quem fazemos a pergunta - como mostra um trabalho recente dos cientistas políticos Benjamin Page, Larry Bartels and Jason Seawright. O artigo compara as preferências políticas do cidadão comum americano com as dos americanos com maiores níveis de rendimentos. E os resultados são assombrosos.

Assim, segundo o estudo, o cidadão comum americano manifesta alguma preocupação com os défices orçamentais, o que não surpreende dada a enxurrada de histórias assustadoras sobre o défice que circulam na comunicação social. Mas a maior parte dos mais ricos encara o défice como o maior problema que enfrentamos. E como é que o défice deve ser combatido? Os mais ricos respondem com cortes da despesa federal em Saúde e na Segurança Social - ou seja, nos «direitos» - enquanto os americanos em geral querem, pelo contrário, ver um aumento da despesa federal nesses domínios.

As coisas são claras: a agenda da austeridade parece ser a simples expressão das preferências das classes altas, que apenas se disfarçam num aparente rigor académico. Aquilo que os 1% mais ricos querem converte-se no que a ciência económica diz ser preciso fazer.

Mas será que uma depressão prolongada serve realmente os interesses dos mais ricos? É de duvidar, já que uma economia em expansão é geralmente boa para quase todos. E a verdade é que estes anos de austeridade têm sido muito difíceis para os trabalhadores, mas não têm sido assim tão maus para os mais ricos, que beneficiaram do aumento dos lucros e do valor das acções em Bolsa, à medida que o desemprego de longa-duração foi aumentando. Os 1% podem não querer realmente uma economia fraca, mas eles estão a conseguir resultados suficientemente bons para satisfazer os seus preconceitos.

É isto que nos faz pensar na diferença que pode verdadeiramente fazer o colapso intelectual da perspectiva austeritária. Na medida em que temos uma política dos 1%, feita pelos 1% para os 1%, não será de esperar que apenas tenhamos novas justificações para as mesmas velhas políticas?

Eu espero que não, pois quero acreditar que as ideias e as evidências da realidade contam, que têm pelo menos alguma importância. Se assim não for, que sentido posso dar à minha vida? Mas eu acho, contudo, que nós vamos ver até que ponto pode chegar o cinismo.