07 dezembro 2009

os novos anti-semitas

Rui Tavares
Público, 7 de Dezembro de 2009

Mohammed Atta, o terrorista que espetou o primeiro avião contra as Torres Gémeas de Nova Iorque, era diplomado em urbanismo, com uma tese de mestrado sobre uma das cidades mais antigas do mundo - Aleppo, na Síria - e discretamente detestava os arranha-céus "ocidentais" que ali eram construídos. Quando decidiu passar à acção, assassinando milhares de pessoas num dos edifícios mais conhecidos do mundo, Mohammed Atta sabia muito bem o que estava a destruir.
Minoru Yamasaki, o arquitecto que projectou as torres gémeas, era um apaixonado pela arquitectura islâmica. O seu edifício preferido era a Mesquita do Xá em Ispaão (ou Isfahan) no Irão. Um dos países onde trabalhou mais foi na Arábia Saudita, ao serviço da família real (talvez tenha mesmo chegado a usar os serviços de Muhamad bin Laden, o pai de um certo adolescente chamado Osama, futuro estudante de engenharia). E em diversas ocasiões escreveu sobre o seu interesse pela arquitectura islâmica.
Na sua autobiografia, o arquitecto descrevia as Torres Gémeas como "uma Meca de tranquilidade na Baixa de Manhattan". Aposto o meu diploma em História da Arte em como o complexo do World Trade Center era todo ele influenciado pela arquitectura islâmica, a começar pela Grande Mesquita de Meca. Desde a escultura central, evocando a pedra sagrada da Caaba, aos delicados pilares de alumínio cujas nervuras se unem em arcos mouriscos, até ao pavimento do pátio interior desenhado radialmente como as filas dos peregrinos na hajj. (Escrevi sobre isso uma peça de teatro e ensaio chamado O Arquitecto, para quem estiver interessado).
E a maior pista de todas estava, naturalmente, nas duas Torres Gémeas - os maiores minaretes do mundo.
Um dos melhores cronistas do mundo é um israelita chamado Uri Avnery. Ele sabe bem o que é o anti-semitismo. Quando nasceu na Alemanha o seu nome era Helmut Ostermann, mas a sua família teve de fugir do nazismo em 1933, estabelecendo-se na Palestina.
Ao saber do resultado do referendo na Suiça que proibiu a construção de minaretes nas mesquitas, Uri Avnery escreveu o seguinte:
"Parece que o anti-semitismo se deslocou de um povo semita para o outro. Na Europa do pós-Holocausto é difícil ser antijudeu, e por isso os anti-semitas se tornaram antimuçulmanos. É como dizemos em hebraico: a mesma senhora num vestido diferente."
Uri poderia ter acrescentado que até as manhas do velho anti-semitismo antijudeu e do novo anti-semitismo antiárabe se assemelham. Nos anos 30, os suíços tentaram afugentar os judeus proibindo alguns rituais de preparação de alimentos prescritos pela religião judaica.
Os novos anti-semitas podem até usar alguns dos argumentos que o Mohammad Atta usava antes de se tornar terrorista - que lutam contra a "descaracterização" das suas culturas, etc. Mas por detrás esconde-se a raiva a uma cultura em particular: Mohammed odiava os ocidentais, os novos anti-semitas odeiam árabes e muçulmanos. Nem o tentaram disfarçar proibindo outros edifícios, outras torres, outros templos de outras religiões.
Mas se quiserem ver a marca da arquitectura islâmica no seu país, basta olhar para as muitas igrejas góticas: foi apenas depois de verem as mesquitas de Jerusalém que os cristãos começaram a fazer edifícios altos, esguios, com os seus pilares nervurados, arcobotantes e torres pontiagudas. Os novos anti-semitas não conhecem sequer a sua própria cultura.