luz sobre lisboa
Rui Tavares
Público, 29 de Setembro de 2008
Público, 29 de Setembro de 2008
Segundo o UrbanAudit, serviço da UE, Lisboa é a cidade média/grande mais desvitalizada de toda a Europa a 27. Não há notícia, em toda essa Europa, de um parque habitacional tão fragmentado — excepto em pequenas cidades romenas que perderam a indústria mineira. Lisboa perdeu, em trinta anos, trinta por cento da população. Para os leitores do resto do país que podem estar fartos de ouvir falar da capital, pensem nisto como um caso extremo dos problemas que podem afligir também as vossas cidades.
Tal como uma cidade saudável pode ser o motor do renascimento de um país ou região, uma cidade encalhada é um obstáculo a mais para a sua recuperação. A criação de uma política urbana, sistemática e bem articulada, deveria estar na prioridade da agenda nacional. Mas a cultura política dominante tem sido exactamente a oposta: a do casuismo como forma de acção. Um caso recente é o emblema do que acabo de escrever.
A notícia de que a Câmara Municipal de Lisboa andou, durante sucessivas vereações, a distribuir casas de forma arbitrária, ao serviço da cunha e do episódio individual, é evidentemente um escândalo político. É até mais do que isso: o símbolo do tempo desperdiçado e dos recursos mal empregues que poderiam ter sido usados para benefício da cidade.
António Costa tem de agir rapidamente nos dois planos.
Em primeiro lugar, interromper a prática não basta. Se for verdade que uma vereadora beneficiou dela, mesmo que em tempos de outro presidente, a própria vereadora tem que vir dar explicações a público.
Se as explicações não forem satisfatórias, terá de demitir-se. É tão simples quanto isso. Sem essa acção nunca a câmara se poderá credibilizar para o passo que se segue.
A utilização do parque habitacional da câmara pode — e deve — ser uma ferramenta ao serviço da revitalização da cidade. Mas esta é uma política pública por excelência: com património público, para benefício último do público, e de maneira a que tudo se passe em público.
Para dar um exemplo: sim, é verdade que os artistas são muitas vezes o primeiro motor do renascimento de um bairro. Não é raro — e não é mal pensado — que os poderes municipais, por esse mundo fora, se empenhem em cativar as classes criativas para certos pontos da cidade. Mas a única forma correcta de o fazer é através de concursos públicos para residências artísticas por prazo limitado a troco de projectos específicos. Exemplo: vinte ou trinta jovens artistas por ano, escolhidos pelos professores da Faculdade de Belas-Artes (de preferência da Universidade do Porto, para não haver confusões).
Também o caso do artista ou escritor de mérito a quem a cidade decide retribuir pela sua obra não me choca especialmente — desde que seja excepcional, se passe à luz do dia e traga benefícios para os munícipes como a utilização de uma biblioteca ou a constituição de uma fundação — e seja pensado como homenagem e não como favor.
A atribuição de casas a funcionários da câmara, jornalistas e políticos não é admissível — nunca, jamais, em tempo algum — e nada a pode justificar. Só nos permite saber que afinal havia recursos para uma política interessante que foram desviados e desperdiçados.
Tendo em conta o grave panorama urbano de Lisboa, é um duplo escândalo, tornado ainda mais deprimente por uma cultura municipal “histórica” que parece achar que tudo isto é normal. Nesse caso, é essa cultura que terá de ser mudada de alto a baixo, com carácter de urgência e sob o olhar de todos. A máxima a seguir é: o melhor desinfectante é a luz do Sol.
Tal como uma cidade saudável pode ser o motor do renascimento de um país ou região, uma cidade encalhada é um obstáculo a mais para a sua recuperação. A criação de uma política urbana, sistemática e bem articulada, deveria estar na prioridade da agenda nacional. Mas a cultura política dominante tem sido exactamente a oposta: a do casuismo como forma de acção. Um caso recente é o emblema do que acabo de escrever.
A notícia de que a Câmara Municipal de Lisboa andou, durante sucessivas vereações, a distribuir casas de forma arbitrária, ao serviço da cunha e do episódio individual, é evidentemente um escândalo político. É até mais do que isso: o símbolo do tempo desperdiçado e dos recursos mal empregues que poderiam ter sido usados para benefício da cidade.
António Costa tem de agir rapidamente nos dois planos.
Em primeiro lugar, interromper a prática não basta. Se for verdade que uma vereadora beneficiou dela, mesmo que em tempos de outro presidente, a própria vereadora tem que vir dar explicações a público.
Se as explicações não forem satisfatórias, terá de demitir-se. É tão simples quanto isso. Sem essa acção nunca a câmara se poderá credibilizar para o passo que se segue.
A utilização do parque habitacional da câmara pode — e deve — ser uma ferramenta ao serviço da revitalização da cidade. Mas esta é uma política pública por excelência: com património público, para benefício último do público, e de maneira a que tudo se passe em público.
Para dar um exemplo: sim, é verdade que os artistas são muitas vezes o primeiro motor do renascimento de um bairro. Não é raro — e não é mal pensado — que os poderes municipais, por esse mundo fora, se empenhem em cativar as classes criativas para certos pontos da cidade. Mas a única forma correcta de o fazer é através de concursos públicos para residências artísticas por prazo limitado a troco de projectos específicos. Exemplo: vinte ou trinta jovens artistas por ano, escolhidos pelos professores da Faculdade de Belas-Artes (de preferência da Universidade do Porto, para não haver confusões).
Também o caso do artista ou escritor de mérito a quem a cidade decide retribuir pela sua obra não me choca especialmente — desde que seja excepcional, se passe à luz do dia e traga benefícios para os munícipes como a utilização de uma biblioteca ou a constituição de uma fundação — e seja pensado como homenagem e não como favor.
A atribuição de casas a funcionários da câmara, jornalistas e políticos não é admissível — nunca, jamais, em tempo algum — e nada a pode justificar. Só nos permite saber que afinal havia recursos para uma política interessante que foram desviados e desperdiçados.
Tendo em conta o grave panorama urbano de Lisboa, é um duplo escândalo, tornado ainda mais deprimente por uma cultura municipal “histórica” que parece achar que tudo isto é normal. Nesse caso, é essa cultura que terá de ser mudada de alto a baixo, com carácter de urgência e sob o olhar de todos. A máxima a seguir é: o melhor desinfectante é a luz do Sol.
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