os dois mercados
Rui Tavares
Público, 15 de Setembro de 2008
Público, 15 de Setembro de 2008
A aliança que governa Lisboa ampliou-se para incluir Helena Roseta. Ao assumir a estratégia para a habitação, ela não é só uma vereadora qualquer; tornou-se num elemento crucial do poder na cidade, parte do problema e (esperemos) parte da solução. É bom ter alguém com um perfil forte e responsabilidades políticas na área da habitação - provavelmente “o” problema que mais precisa de ser repensado agora.
Durante muitos anos o congelamento das rendas tem sido apresentado como um dos grandes culpados pelo esvaziamento do centro, e pela correspondente degradação dos prédios. É uma explicação plausível, e que aceito em grande parte.
Mas as rendas baixas já não podem ser explicação para todos os casos.
Há hoje, numa cidade como Lisboa, centenas de prédios vazios que não são vendidos nem alugados. E há alguns bons milhares de prédios com apenas um ou dois inquilinos e quatro, seis ou oito apartamentos por alugar ou vender. Assinalando que estou apenas a falar destes casos, a “canga” das rendas congeladas já não permite entender por que não aluga o senhorio os apartamentos que estão livres, ou por que não os vende.
Uma explicação adicional às “rendas congeladas” costuma ser a da burocracia autárquica. Ela explicará alguns casos, mas não explica todos. Como vimos no caso do prédio que ardeu na Avenida da Liberdade e que era propriedade de um grande banco, por vezes é o próprio proprietário que não tem pressa para fazer nada ao imóvel, apesar de ter os meios para o fazer.
Uma terceira explicação para o mistério só poderia ser esta: não há procura. Se levarmos os dogmas capitalistas a sério, teremos de admitir que ninguém quer morar no Rossio, e que só por isso o Rossio perdeu recentemente o seu único morador. Esta explicação é absurda por duas razões. A primeira é empírica: conhecemos muita gente que gostaria de morar no Rossio. A segunda é teórica: é suposto a procura e a oferta equilibrarem-se. Se pouca gente quer morar no Rossio, os proprietários baixariam os preços até encontrarem quem quisesse. Mas isto não acontece.
Poderíamos dizer que o mercado não está a funcionar, mas não irei por aí. O mercado funciona sempre. E neste momento está a funcionar - mas para manter o Rossio sem habitantes.
A resposta é que, para ser rigoroso, não há um, mas sim dois mercados. Há o mercado de investimento imobiliário, que serve para isso mesmo: investir em imobiliário. E há o mercado de casas para viver, no qual o objectivo é precisamente o de comprar ou alugar uma casa e depois conseguir viver - ou seja: também poder comprar comida e essas outras coisas depois de pagar a prestação da casa.
Estes dois mercados não são coincidentes. Caso fossem, o investimento imobiliário encontrar–se-ia a meio do caminho com a procura de casas para viver. A oferta ajustar-se-ia à procura. Só que apesar de falarmos do mesmo objecto - uma casa - aquilo que nos oferecem e aquilo que procuramos nesse objecto não é forçosamente a mesma coisa.
O mercado está, pois, a funcionar. Mas não da maneira que nós gostaríamos. A questão política é saber se é legítimo, para a comunidade, preferir o mercado das casas para viver ao mercado que deixa as casas vazias e a cidade degradada e oca. A questão económica é saber que tipo de intervenção política seria sustentável. A questão política não precisa da questão económica para provar a sua legitimidade - mas precisa dela para encontrar uma boa resposta. A próxima crónica será ainda sobre este tema.
Durante muitos anos o congelamento das rendas tem sido apresentado como um dos grandes culpados pelo esvaziamento do centro, e pela correspondente degradação dos prédios. É uma explicação plausível, e que aceito em grande parte.
Mas as rendas baixas já não podem ser explicação para todos os casos.
Há hoje, numa cidade como Lisboa, centenas de prédios vazios que não são vendidos nem alugados. E há alguns bons milhares de prédios com apenas um ou dois inquilinos e quatro, seis ou oito apartamentos por alugar ou vender. Assinalando que estou apenas a falar destes casos, a “canga” das rendas congeladas já não permite entender por que não aluga o senhorio os apartamentos que estão livres, ou por que não os vende.
Uma explicação adicional às “rendas congeladas” costuma ser a da burocracia autárquica. Ela explicará alguns casos, mas não explica todos. Como vimos no caso do prédio que ardeu na Avenida da Liberdade e que era propriedade de um grande banco, por vezes é o próprio proprietário que não tem pressa para fazer nada ao imóvel, apesar de ter os meios para o fazer.
Uma terceira explicação para o mistério só poderia ser esta: não há procura. Se levarmos os dogmas capitalistas a sério, teremos de admitir que ninguém quer morar no Rossio, e que só por isso o Rossio perdeu recentemente o seu único morador. Esta explicação é absurda por duas razões. A primeira é empírica: conhecemos muita gente que gostaria de morar no Rossio. A segunda é teórica: é suposto a procura e a oferta equilibrarem-se. Se pouca gente quer morar no Rossio, os proprietários baixariam os preços até encontrarem quem quisesse. Mas isto não acontece.
Poderíamos dizer que o mercado não está a funcionar, mas não irei por aí. O mercado funciona sempre. E neste momento está a funcionar - mas para manter o Rossio sem habitantes.
A resposta é que, para ser rigoroso, não há um, mas sim dois mercados. Há o mercado de investimento imobiliário, que serve para isso mesmo: investir em imobiliário. E há o mercado de casas para viver, no qual o objectivo é precisamente o de comprar ou alugar uma casa e depois conseguir viver - ou seja: também poder comprar comida e essas outras coisas depois de pagar a prestação da casa.
Estes dois mercados não são coincidentes. Caso fossem, o investimento imobiliário encontrar–se-ia a meio do caminho com a procura de casas para viver. A oferta ajustar-se-ia à procura. Só que apesar de falarmos do mesmo objecto - uma casa - aquilo que nos oferecem e aquilo que procuramos nesse objecto não é forçosamente a mesma coisa.
O mercado está, pois, a funcionar. Mas não da maneira que nós gostaríamos. A questão política é saber se é legítimo, para a comunidade, preferir o mercado das casas para viver ao mercado que deixa as casas vazias e a cidade degradada e oca. A questão económica é saber que tipo de intervenção política seria sustentável. A questão política não precisa da questão económica para provar a sua legitimidade - mas precisa dela para encontrar uma boa resposta. A próxima crónica será ainda sobre este tema.
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