albert otto hirschman
Rui Tavares
Público, 12 de Dezembro de 2012
Há muitos anos, num fim de tarde numa biblioteca, pedi um livro chamado As Paixões e os Interesses, de um economista que dava pelo nome de Albert O. Hirschman, por ter visto numa qualquer nota de rodapé a referência de que ali se encontrava algo relacionado com o meu próprio tema de estudo, ideias sobre política e cultura no século XVIII. Li as primeiras páginas e fiquei agarrado. Como era possível que um economista, que pouco trabalho documental tinha feito, conseguisse ter ideias tão claras - e tão boas - em temas nos quais eu tinha lido dezenas de historiadores de que pouco se conseguia guardar? A resposta estava na clareza e lucidez com que Hirschman conseguia pensar, escrever e relacionar as suas ideias. Depois de ler Hirschman, é difícil «des-pensar» as suas ideias.
Mais tarde, soube que o mesmo aconteceu com muita outra gente, estudando outras coisas, e lendo livros de Hirschman como A Retórica da Reacção, um magnífico estudo sobre política, ou Saída, Voz e Lealdade, essencial para entender a relação entre indivíduos e organizações.
Mas há poucos anos descobri mais sobre Albert O. Hirschman. E só então entendi que ele não foi apenas um grande intelectual, mas também um discreto herói da humanidade e um homem justo.
Albert nasceu em 1915, em Berlim, numa família judaica. Fugiu da Alemanha quando Hitler chegou ao poder, em 1933, e veio para Itália onde fez o seu doutoramento, em 1937. Mas ele não era só um homem de ideias, mas também de acção, e foi logo a seguir para Espanha, onde combateu na Guerra Civil contra o fascismo. Após a derrota, passou para França, onde viveu durante a II Guerra Mundial. Aí conheceu em Marselha um aventureiro, o jornalista americano Varian Fry, e com ele trabalhou no International Rescue Committee, que salvava refugiados do nazismo, principalmente judeus, enviando-os para Lisboa. Juntos salvaram alguns dos maiores artistas e intelectuais da época: Hannah Arendt, Max Ernst, André Breton, Alma Mahler, além da família de Thomas Mann, e muitos outros.
Entretanto, a irmã de Albert, que se chamava Ursula, tinha ficado na Itália, junto do seu marido, que fora preso por ser socialista, e que foi um dos autores do Manifesto por Uma Europa Unida e Livre, um dos primeiros manifestos defendendo uma democracia europeia.
Úrsula arriscou-se para trazer o manifesto da ilha-prisão onde se encontrava e distribuí-lo no continente.
Depois da guerra, Albert Hirschman esteve no primeiro congresso federalista europeu, antes de emigrar para os Estados Unidos da América, de onde ajudou o seu cunhado, o italiano Altiero Spinelli, a tentar constituir um movimento europeu dos cidadãos, e não dos funcionários ou dos governos.
Professor em Princeton, Albert O. Hirschman dedica-se a partir de então à economia do desenvolvimento; o seu papel é sobretudo sentido no apoio aos países da América Latina. E entretanto vai escrevendo os seus livros tão concisos, distintos e luminosos, que qualquer pessoa os pode facilmente ler e deles tirar proveito, apesar de as suas ideias serem quase sempre profundas.
Albert O. Hirschman morreu ontem, com 97 anos. Vou decretar cá para mim que o Nobel da União Europeia foi para ele (Coimbra, mais sábia, deu-lhe o honoris causa em 25 de Abril de 1993). Talvez, se lidas com atenção, as suas ideias nos salvem uma vez mais.
Público, 12 de Dezembro de 2012
Mais tarde, soube que o mesmo aconteceu com muita outra gente, estudando outras coisas, e lendo livros de Hirschman como A Retórica da Reacção, um magnífico estudo sobre política, ou Saída, Voz e Lealdade, essencial para entender a relação entre indivíduos e organizações.
Mas há poucos anos descobri mais sobre Albert O. Hirschman. E só então entendi que ele não foi apenas um grande intelectual, mas também um discreto herói da humanidade e um homem justo.
Albert nasceu em 1915, em Berlim, numa família judaica. Fugiu da Alemanha quando Hitler chegou ao poder, em 1933, e veio para Itália onde fez o seu doutoramento, em 1937. Mas ele não era só um homem de ideias, mas também de acção, e foi logo a seguir para Espanha, onde combateu na Guerra Civil contra o fascismo. Após a derrota, passou para França, onde viveu durante a II Guerra Mundial. Aí conheceu em Marselha um aventureiro, o jornalista americano Varian Fry, e com ele trabalhou no International Rescue Committee, que salvava refugiados do nazismo, principalmente judeus, enviando-os para Lisboa. Juntos salvaram alguns dos maiores artistas e intelectuais da época: Hannah Arendt, Max Ernst, André Breton, Alma Mahler, além da família de Thomas Mann, e muitos outros.
Entretanto, a irmã de Albert, que se chamava Ursula, tinha ficado na Itália, junto do seu marido, que fora preso por ser socialista, e que foi um dos autores do Manifesto por Uma Europa Unida e Livre, um dos primeiros manifestos defendendo uma democracia europeia.
Úrsula arriscou-se para trazer o manifesto da ilha-prisão onde se encontrava e distribuí-lo no continente.
Depois da guerra, Albert Hirschman esteve no primeiro congresso federalista europeu, antes de emigrar para os Estados Unidos da América, de onde ajudou o seu cunhado, o italiano Altiero Spinelli, a tentar constituir um movimento europeu dos cidadãos, e não dos funcionários ou dos governos.
Professor em Princeton, Albert O. Hirschman dedica-se a partir de então à economia do desenvolvimento; o seu papel é sobretudo sentido no apoio aos países da América Latina. E entretanto vai escrevendo os seus livros tão concisos, distintos e luminosos, que qualquer pessoa os pode facilmente ler e deles tirar proveito, apesar de as suas ideias serem quase sempre profundas.
Albert O. Hirschman morreu ontem, com 97 anos. Vou decretar cá para mim que o Nobel da União Europeia foi para ele (Coimbra, mais sábia, deu-lhe o honoris causa em 25 de Abril de 1993). Talvez, se lidas com atenção, as suas ideias nos salvem uma vez mais.
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