bergman e antonioni
Pedro Mexia
Público, 4 de Agosto de 2007
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Morreram exactamente no mesmo dia, em 2007. E nesse fim de semana de Julho morreu também "uma certa ideia de cinema". Ingmar Bergman, sueco de Uppsala, nascido em 1918. Michelangelo Anonioni, italiano de Ferrara, nascido em 1912.
Bergman é um dos meus cinesastas de cabeceira. Antonioni suscita mais admiração intelectual que adesão emocional. Mas são ambos autores importantes na minha memória cinéfila.
Bergman é o teatro. O miúdo que leu Strindberg todo na adolescência (uma brutalidade inimaginável) fez todo o seu mundo teatro: encenou peças, casou com actrizes, cultivou os seus actores fetiche, escreveu argumentos sobre meios teatrais. É um cineasta da palavra.
Antonioni é um cineasta da imagem. O que acima de tudo retemos dos seus filmes são avenidas largas, ilhas desertas, postes de electricidade, gruas. É um cinema visual, um cinema de arquitectura, que ao tempo (à palavra) sempre preferiu o espaço (a distância).
Bergman era um nórdico típico, nascido antes do aborrecimento social-democrata. Educado na austeridade e na desumanidade luteranas, sempre se interessou pela intimidade. Os seus temas são por excelência temas "sérios" (como julgo que já não se diz). O sexo (Um Verão de Amor, 1950; Mónica e o Desejo, 1954; Sorrisos de Uma Noite de Verão, 1955). A família e o casamento (Morangos Silvestres, 1957; Lágrimas e Suspiros, 1972; Cenas da Vida Conjugal, 1973; Sonata de Outono, 1978; Fanny e Alexandre, 1982). A morte (acima de todos O Sétimo Selo, 1957). E, naturalmente, a metafísica, na sua trilogia sobre o silêncio de Deus (Como num Espelho, 1961; Luz de Inverno, 1961; O Silêncio, 1963), todos eles com um invulgaríssimo agnosticismo inquieto.
Antonioni é um cineasta da imagem. O que acima de tudo retemos dos seus filmes são avenidas largas, ilhas desertas, postes de electricidade, gruas. É um cinema visual, um cinema de arquitectura, que ao tempo (à palavra) sempre preferiu o espaço (a distância).
Bergman era um nórdico típico, nascido antes do aborrecimento social-democrata. Educado na austeridade e na desumanidade luteranas, sempre se interessou pela intimidade. Os seus temas são por excelência temas "sérios" (como julgo que já não se diz). O sexo (Um Verão de Amor, 1950; Mónica e o Desejo, 1954; Sorrisos de Uma Noite de Verão, 1955). A família e o casamento (Morangos Silvestres, 1957; Lágrimas e Suspiros, 1972; Cenas da Vida Conjugal, 1973; Sonata de Outono, 1978; Fanny e Alexandre, 1982). A morte (acima de todos O Sétimo Selo, 1957). E, naturalmente, a metafísica, na sua trilogia sobre o silêncio de Deus (Como num Espelho, 1961; Luz de Inverno, 1961; O Silêncio, 1963), todos eles com um invulgaríssimo agnosticismo inquieto.
Antonioni era um italiano atípico e um intelectual típico. Foi um cronista da burguesia gélida e alienada. Dizem que inventou um cliché - a "incomunicabilidade" - mas é um dos clichés mais verdadeiros que conheço. É verdade que Antonioni não escapou aos modismos e a algumas derivas simbólicas. Mas a sua desolação ainda nos afecta: o desaparecimento em A Aventura (1960), o enfado literato em A Noite (1961) ou o final mudo de O Eclipse (1962). E ninguém para quem o cinema seja importante esquece as diversas figurações da ilusão em Blow Up (1966), especialmente a fictícia partida de ténis.
Bergman foi um autor da gravidade. O grande plano sobre o rosto humano atingiu a perfeição em Persona (1966). Antonioni preferia uma certa indicibilidade. O crítico do Corriere della Sera, Tullio Kezich, conta que em finais dos anos 50 o produtor Dinno de Laurentiis quis trabalhar com Antonioni. Este apresentou a seguinte sinopse: um grupo de amigos vai para uma ilha e uma rapariga desaparece. Laurentiis perguntou: e o que é que lhe aconteceu? Antonioni: "A quem, à rapariga? Não sei." Talvez fosse essa a grande diferença: Bergman tinha dúvidas, Antonioni não sabia.
Ambos amavam as mulheres. Nunca fui especialmente sensível à musa de Antonioni, a beldade anémica e existencialista Monica Vitti. Mas acho curioso que depois de ter perdido a mobilidade e a fala, em 1985, Antonioni tenha colaborado em dois filmes com grande carga erótica. Talvez perseguido ainda (é um título seu) o perigoso fio das coisas.
As mulheres de Bergman (suas actrizes e companheiras) são a galeria mais inesquecível da história do cinema, juntamente com as louras frígidas de Hitchcock. A mais memorável talvez seja Liv Ullmann. Mas há também a androginia de Bibi Andersson. A maturidade deslumbrante e magoada de Ingrid Thulin. E Monica (Harriet Andersson), a imagem mesma do desejo, a boca carnuda, os olhos decididos, o pescoço e os ombros molhados.
Retirado há uns anos numa ilha ao largo da Suécia, Bergman ameaçou várias vezes deixar o cinema. Mas o miúdo a quem tinham dado uma fascinante lanterna mágica (como conta na autobiografia), só nos deixou com o magnífico Saraband (2003), prova de que todos os temas continuam vivos na velhice, ou seja, na mortalidade.
Sobre Antonioni, recordo agora uma belíssima frase, salvo erro de Fellini: "É o único de nós que merece chamar-se Miguel Ângelo."
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