02 março 2009

há mais na caixa do que pensamos

Paulo Ferreira
Público, 27 de Fevereiro de 2009

Manuel Fino entregou à Caixa Geral de Depósitos 9,584 por cento do capital da Cimpor que o banco público avaliou a 4,75 euros por acção (ontem elas valiam 3,11 euros, menos 35 por cento). O negócio foi de 305,9 milhões de euros e liquidou igual montante nas dívidas do empresário ao banco.
Há dois problemas essenciais neste “negócio”. Primeiro, a Caixa valorizou as acções 25 por cento acima do valor de mercado daquele dia. No total, pagou 62 milhões de euros a mais do que se comprasse as mesmas acções, no mesmo dia, em bolsa. Ou seja, a preço de mercado, a Caixa ficou com um activo que valia 243,9 milhões de euros para pagar uma dívida de 305,9 milhões de euros e deu as contas como saldadas.
Depois, a Caixa ofereceu a Manuel Fino uma opção de recompra, a ser exercida nos próximos 3 anos. O empresário pode optar, até 2012, por recomprar essas acções pelo mesmo preço – 305,9 milhões de euros – por que a Caixa valorizou a sua posição na Cimpor. Este é o aspecto mais escandaloso deste negócio.Vejamos porquê.
Cenário 1: nos próximos três anos, as acções da Cimpor ficam abaixo dos 4,75 euros. Neste caso, Manuel Fino não tem vantagem em exercer a opção de compra, uma vez que terá que pagar as acções a 4,75 euros, acima do seu preço no mercado. Se quiser comprar acções da Cimpor, pode então fazê-lo no mercado, mais baratas. E a Caixa? A Caixa assume perdas pela diferença entre os 305,9 milhões do crédito de que abdicou receber e o valor das acções, que será mais baixo.O banco perde.
Cenário 2: nos próximos três anos as acções da Cimpor sobem em relação aos 4,75 euros. A posição que Manuel Fino vendeu à Caixa valerá então mais. Mas ele pode comprá-la pelos 305,9 milhões de euros. Portanto, Manuel Fino recupera o seu activo por um preço inferior ao do mercado (mais o prémio que terá que pagar à Caixa) e fica com a dívida saldada. Não correu qualquer risco. O banco não ganha.
Em resumo: o risco desta operação fica todo do lado da Caixa. Se as acções caírem, o banco do Estado perde pela diferença. Se elas subirem, não ganha mais por isso, porque quem recebe essa mais-valia é Manuel Fino, que recompra as acções abaixo do preço do mercado.
Ninguém vai apurar responsabilidades sobre a forma como a Caixa concede grandes empréstimos e os renegoceia? Teixeira dos Santos vai conviver com isto sem fazer nada? Em nome de quê?